by admin | 11/08/2017 13:59
A reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional, que entrará em vigor em 14/11/2017, trouxe importantes alterações sobre as perícias na Justiça do Trabalho e o procedimento das ações sobre segurança e saúde do trabalhador.
O novo artigo 790-B da CLT estabelece que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia, ainda que beneficiária da Justiça gratuita. Isso certamente acarretará desestímulo ao ajuizamento das ações judiciais como meios de defesa dos trabalhadores perante o Judiciário trabalhista, uma vez que a maioria dos acidentados e seus familiares são pessoas pobres, que agora, com a reforma trabalhista, enfrentarão grandes dificuldades e restrições quanto ao benefício da Justiça gratuita, a qual sempre existiu como importante apoio e incentivo à busca dos direitos violados.
Todavia, como é fácil de ver, essa alteração legal afronta preceitos constitucionais, como o artigo 5º e inciso LXXIV da Carta Magna, assim vazados:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: … LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (grifados)”.
Como se vê, a Constituição Federal inclui entre os direitos e garantias individuais dos cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país a assistência jurídica integral e gratuita, o que vai além da mera assistência judiciária.
Esse benefício assegurado aos necessitados como instrumento de acesso substancial ao Poder Judiciário inclui a gratuidade de todas as despesas, judiciais ou não, relativas aos atos necessários ao desenvolvimento do processo e à defesa dos direitos do seu beneficiário em juízo. Esse benefício constitucional abrange, portanto, não somente as custas relativas aos atos processuais a serem praticados, como também todas as despesas decorrentes da efetiva participação do cidadão na relação processual.
Trata-se de um direito fundamental dos mais importantes para as pessoas necessitadas, sem o qual não seria possível usufruírem de outro direito igualmente fundamental, qual seja, o acesso efetivo e substancial ao Poder Judiciário.
Mas os representantes do povo brasileiro não levaram em conta os aspectos constitucionais e aprovaram a dita reforma a “toque de caixa”, sem submetê-la ao crivo constitucional. O objetivo dessa alteração legal, como facilmente se presume, foi inibir o uso das ações acidentárias e sua diminuição. Mas esse objetivo é falso, porque, em vez de se buscar diminuir os acidentes de trabalho e melhorar os ambientes de trabalho (e nesse ponto nada fizeram), partiram os representantes do povo para a simples solução de criar dificuldades para o ajuizamento das ações judiciais e, com isso, diminuir as indenizações!
Em outra alteração legal (parágrafo 3º do artigo 790-B da CLT), a reforma criou indevida restrição à atuação do Judiciário, dizendo que o juiz não poderá exigir adiantamento de valores para realização de perícias. Ora, como se sabe e é realidade no dia a dia da Justiça do Trabalho, muitos peritos não fazem perícia sem adiantamento dos honorários, pelo que mais uma vez se infere que essa alteração também teve por razão enviesada dificultar a realização das perícias e o resultado das ações acidentárias, inibindo-as. É também inconstitucional esse dispositivo legal, porque ao juiz cabe dirigir o processo e adotar as medidas necessárias à busca da verdade real para oferecer a devida e justa prestação jurisdicional.
A propósito, assegura o artigo 765 da CLT que “os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas”.
Ademais, o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, o que significa que a norma maior garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.
O direito à tutela jurisdicional efetiva, como característica de direito de iguais oportunidades de acesso à Justiça, deve ser visto como um direito fundamental à efetiva proteção do direito material, do qual são devedores o Estado-legislador e o Estado-juiz, os quais têm o dever de se comportarem de acordo com o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, mandamento esse desprezado na elaboração dos dispositivos legais acima descritos pelo Estado-legislador, como se vê, mas que se espera que o Estado-Juiz, a quem cabe dizer o sentido da lei, recoloque as coisas no seu devido legar.
Depois de proibir a autotutela pelo monopólio da jurisdição, o Estado conferiu aos particulares o direito de ação, não sendo compatível com o Estado Democrático de Direito manobras legislativas, que, a propósito de modernizar as relações de trabalho, cria empecilhos intransponíveis a que o cidadão possa, efetiva e substancialmente, ir a juízo reivindicar os seus direitos fundamentais, como, na presente hipótese, a reparação por danos à integridade física e psíquica.
Assim, sendo inconstitucionais essas medidas, caberá aos juízes do Trabalho afastá-las e assegurar às vítimas de acidentes e doenças ocupacionais, e seus sucessores, o livre e substancial acesso ao Poder Judiciário.
Por: Raimundo Simão Melo, Procurador Regional do Trabalho aposentado
Fonte: ConJur
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