Ainda que presente na maioria dos relatos de crimes contra a mulher, a violência patrimonial segue como algo desconhecido. Crime previsto na lei Maria da Penha, ele acontece de forma sutil e, na maior parte dos casos, não é suficiente para fazer a vítima procurar ajuda. Nesta quinta-feira (25/11), Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, saiba do que se trata esse abuso psicológico, como identificar e o que fazer.
De acordo com a lei Maria da Penha, de nº 11.340, a violência patrimonial é “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades”.
As vítimas, na maioria das vezes, são mulheres que não possuem renda. Em geral, responsáveis pelas tarefas domésticas de casa. Quando o parceiro é o principal provedor da família, “sente-se no direito” de controlá-la, bem como seus gastos e os gastos com a casa.
“Ela pode ser impedida de consumir algo pelo agressor, tem seu papel de mulher diminuído por razões econômicas e sofre agressões psicológicas de cunho financeiro”, explica a advogada Estela Nunes.
Violência despercebida
Esse crime, por vezes, vem disfarçado de cuidado ou ataques de raiva. Ele não costuma ser denunciado sozinho. “A mulher não procura uma delegacia porque é vítima de violência patrimonial, mas porque sofreu uma agressão física e, quando ela procura por ajuda, percebe a agressão sofrida anteriormente“, pontua Nunes.
“As mulheres não devem se sentir obrigadas ou diminuídas por não terem independência financeira. Claro que ela é importante, mas há situações em que não é possível. Se for esse o caso e ela se sentir violentada ou diminuída, deve procurar uma delegacia”, alerta.
“É uma tentativa de controlar a vida da mulher utilizando bens, dinheiro ou documentos. Como quando o marido destrói o celular da mulher, alegando que foi ele que comprou e por isso se acha no direito de tal atitude”, pontua a psicóloga especialista em relacionamentos Karlla Lima.
Como identificar?
A identificação pode ser difícil. Esse fator, inclusive, influencia na subnotificação das denúncias do mesmo tipo, pois as vítimas têm dificuldade de perceber que, de fato, estão sofrendo uma violência.
No intuito de reconhecer situações desse cunho, com ajuda de Karlla, o Metrópoles apontou algumas atitudes que devem acender o alerta vermelho nas vítimas:
- Supor que você não tem capacidade de gerir suas próprias finanças e que, por isso, ele precisa fazer por você;
- Utilizar manipulação e chantagem envolvendo a confiança, para conseguir suas senhas de cartões e contas;
- Esconder seus documentos ou instrumentos de trabalho, alegando distração ou preocupação;
- Utilizar o discurso do: “É para o seu bem!” para ameaçar ou chegar ao ato de danificar ou destruir seus objetos;
- Controlar contas, senhas e acesso a dados bancários;
- Diminuir e menosprezar o trabalho doméstico desenvolvido pela mulher;
- Restringir e controlar seu dinheiro.
Danos psicológicos
Passar por situações de abusos psicológicos podem trazer danos muito graves para quem sofre com esse crime, alerta Karlla. “A vítima que passa por qualquer tipo de violência pode carregar marcas por toda a sua vida”.
“Muitas mulheres perdem seus bens, seus empregos e até mesmo seus documentos, enganadas por parceiros que utilizam o sentimento envolvido na relação para praticar a violência contra ela. Durante a pandemia, muitos são os relatos de mulheres que tiveram seus auxílios emergenciais confiscados pelos maridos”, conta.
No campo emocional, a especialista explica que a mulher pode ter “dificuldade em confiar em futuros parceiros, desenvolver transtornos emocionais e sintomas prejudiciais para a saúde física e mental”.
Machismo estrutural
Pesquisa feita no estado de São Paulo, neste ano, indicou que 73% das mulheres não denunciam as agressões por medo. Em segundo lugar nas respostas, as entrevistadas alegaram vergonha de se expor, seguido de dependência financeira do parceiro e não confiança na justiça e/ou na aplicação das leis.
“Além da força física, o dinheiro é uma das formas de dominação masculina”, ressalta a psicóloga. “Muitas mulheres aceitam comunhão total de bens, parar de trabalhar e dividir senhas em nome do amor. Amor este que, muitas vezes, está fantasiado. Na verdade, trata-se de machismo, manipulação e violência.”
A doutora em direito e professora do Instituto Federal da Paraíba (IFPB), Clarissa Alves, relaciona a raiz do problema à cultura do capitalismo patriarcal no qual crescemos. “Essa estrutura de que homens devem trabalhar para fazer dinheiro e a mulher ficar em casa para realizar os afazeres domésticos invisibiliza a contribuição da dela para a sociedade”, diz, ao Metrópoles.
“Tendo o dinheiro como meio de denominação e o fato de mulheres serem responsabilizadas por esse trabalho, que não traz lucros, dentro do capitalismo, gera uma série de dependências para elas que são cargo dessa responsabilização”, explica.
Em seu livro O Trabalho Reprodutivo sob o Capital, ela aborda as funções domésticas como fruto essencial para o funcionamento econômico de um país. “Criar uma criança, cuidar do indivíduo, mantê-lo vivo e cuidar da casa para que os demais possam trabalhar é uma forma essencial de fazer a engrenagem funcionar”, conta.
A especialista defende que a não-valorização desse trabalho influencia o preconceito e violência patrimonial na sociedade. “Se seu trabalho é estar em casa e seu companheiro não reconhece isso, ela fica refém economicamente daquilo que ele estará disposto a oferecer. Aumentando, assim, a discriminação e reforçando o poder dos homens sobre as mulheres.”
O que fazer?
Além do medo e da dependência financeira, a ausência de uma rede de apoio também é dos fatores para que a mulher não denuncie seu agressor. “Ela deve encontrar essa ajuda com familiares ou amigos. A mulher precisa ter coragem para conversar sobre isso e procurar forças para tal”, indica Estela.
A advogada também ressalta que há um amparo do estado nessas situações. Após encontrar apoio e conversar sobre a violência sofrida, procure a Justiça. “É importante que, quando ela se sentir vítima de violência, busque a polícia e abra um inquérito para que as penalidades necessárias sejam tomadas.”
No Brasil, há 111 delegacias especializadas em crimes contra a mulher e, além disso, canais exclusivos para denúncias anônimas e pedidos de ajuda. Os números 180 e 181 são alguns deles.
Fonte: Metrópoles